20 de abril de 2010

Análise financeira: empresa de transporte - licitações

Analisar as demonstrações contábeis não é somente comparar números e estabelecer índices. Precisamos, também, levarem consideração o tipo de atividade que a pessoa jurídica desenvolve.

Quando se analisa financeiramente uma pessoa jurídica, estamos medindo a sua capacidade de pagar as suas dívidas, seus passivos, nos prazos estabelecidos, e quais os ativos que serão utilizados para obter os recursos para pagar essas dívidas.

Vamos aplicar essa teoria a um caso real: uma empresa de transporte. A receita obtida nessa atividade é oriunda do uso de seus veículos, de sua frota.

Quando se divulgam as demonstrações contábeis de todas as pessoas jurídicas, e, portanto, não só das de transporte, o Ativo e o Passivo é dividido em dois grandes blocos: um relacionado ao capital de giro; e outro, ao capital fixo.

No capital de giro, estão informadas todas as contas das quais a pessoa jurídica quer se desfazer; são contas que têm por objetivo sair de suas demonstrações a curto e a longo prazo. Já no capital fixo, estão relacionadas todas as contas das quais ela não quer se desfazer, não quer vender; são contas que têm por objetivo o uso e a especulação.

A frota de veículos de uma empresa de transporte é classificada no bloco de capital fixo, Ativo Imobilizado, Não Circulante. Isso porque essas empresas adquirem os seus veículos para serem usados, para através deles obter receitas, e não para vendê-los. É através do uso desses veículos que estas empresas obtêm recursos financeiros para pagar assuas contas, o seu Passivo. Porém, o Passivo, fonte de recursos para adquirir estes veículos, é classificado no grupo de giro, Passivo Circulante ou Passivo Exigível a Longo Prazo, dependendo do prazo de vencimentos dessas contas.

Observa-se que enquanto a frota é classificada no Ativo fixo, Imobilizado, as dívidas — origens dessa frota — são classificadas no Passivo Circulante ou no Passivo a Longo Prazo — portanto,grupo do capital de giro. A não vinculação entre a origem e a aplicação dos recursos para a aquisição da frota nas informações contábeis acaba por gerar análises distorcidas de índices que podem causar danos operacionais e até a descontinuidade dos negócios.

O objetivo desse artigo é alertar os técnicos que elaboram as licitações para a concessão de serviços públicos, na comprovação da situação financeira do licitante que, se não forem levadas em consideração as causas do endividamento do licitante, poderão estar sendo desclassificadas empresas que têm condições de prestar a contento os serviços desejados pelo órgão licitador.

Nas licitações, há um quesito que é medido: a capacidade econômica e financeira dos concorrentes. Normalmente, são solicitados índices, cujos cálculos são elaborados através da comparação entre valores dos ativos e passivos, sem levar em consideração a qualidade desses ativos, e como esses passivos serão pagos.

Vamos a um exemplo prático:
Um determinado município quer selecionar empresas para prestar serviços de transporte coletivo em seu território. Para poder participar dessa licitação, a empresa precisa comprovar um índice de liquidez corrente e geral de mais de 0,5.

A empresa, agora, nesse momento, possui esses índices, pois o seu balanço está composto da seguinte forma:

Para melhorar a performance da empresa, e, tendo em vista que a licitação é para prestar serviços de transporte coletivo, após examinar a capacidade de retorno do capital aplicado na compra desses veículos, a empresa resolve adquirir 10 milhões de novos veículos. Essa operação foi concretizada da seguinte forma: 20%, à vista (2 milhões); 40%, para ser pago em 12 meses (4 milhões); e, 40%, para ser pago em 36 meses (4milhões).

Pela incorporação dessa operação nas demonstrações contábeis, o novo balanço passou a ter a seguinte composição:

Observa-se que a empresa, por querer melhorar a sua performance, para oferecer melhores veículos na prestação de seus serviços, acabou por ser desclassificada, por não atingir os índices mínimos recomendados na licitação, que era de 0,50.

Portanto, o que se quer, na verdade, é chamar atenção para a responsabilidade que se deve ter quando se dá publicidade às licitações, para que empresas com capacidade de prestar um bom serviço não sejam desclassificadas enquanto outras, com menos qualidade operacional, sejam classificadas, colocando em risco a qualidade da prestação de serviços aos usuários do serviço público.

Apenas para fins de uma melhor análise, nesta situação, o ideal seria mandar excluir do Passivo as dívidas que têm como origem a aquisição de imobilizado, ou que seja incluída no Ativo de Giro a expectativa de geração de renda pelo uso dos bens adquiridos, para que assim se mantenha o equilíbrio entre as empresas na distribuição dos valores que compõem a estrutura das demonstrações contábeis.