29 de setembro de 2010

Participação dos trabalhadores nos lucros das empresas

Você já deve ter ouvido falar “Como posso ter lucro se eu não consigo pagar as minhas contas?”, não é mesmo?

A contabilidade utiliza-se de conceitos próprios, e nem sempre esses conceitos são de conhecimento de todos. O pior é que nem empresários, nem políticos, jornalistas ou governos os entendem.

Quando falamos de lucro, estamos falando de disponibilidade econômica. Disponibilidade econômica não paga contas. Quem paga as contas são as disponibilidades financeiras. O sistema financeiro e o sistema econômico das pessoas jurídicas são sistemas distintos com funções também distintas.

Para exemplificar o caso, uma empresa, alguns anos atrás, pagava um adicional para seus diretores através da distribuição do lucro que a empresa gerava. Como a empresa estava operando com prejuízo, e como os diretores precisavam ganhar esse adicional, procurou-se a orientação de um contador – de um consultor.

O contador sugeriu uma reavaliação nos ativos da empresa. Assim, aumentando o valor dos ativos, o crédito desse aumento seria contabilizado como receita, e, com isso, obter-se-ia lucro. Desta forma, a empresa encerrou o seu exercício com lucro, e a notícia tomou conta dos jornais, destacando a competência de seus diretores.

No entanto, como esse lucro foi gerado por mero “ajuste patrimonial” (terminologia usada pela “contabilidade internacional”), e como a empresa não possuía disponibilidades financeiras para pagar o adicional aos seus diretores e ainda distribuir “lucros” aos seus acionistas, buscou-se um empréstimo externo, endividando ainda mais a pessoa jurídica e colocando em risco o futuro dessa empresa.

Estamos escrevendo sobre isso porque, durante o X Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre (RS), o Ministro do Trabalho, Carlos Lupi, anunciou que irá apresentar o chamado “pacote trabalhista”, composto por dez projetos de lei, sendo que uma das propostas obriga as pessoas jurídicas a distribuir 5% de seus lucros aos funcionários.

Isso é preocupante, pois lucro não é disponibilidade financeira. Ele pode estar representado por diversas formas, até mesmo por negócios não recebidos. Assim, faço um negócio hoje, apuro hoje o lucro, distribuo-o, mas o crédito dessa operação não é recebido. Como ficará este lucro? Quem recebeu devolverá o lucro recebido?

Descapitalizar uma pessoa jurídica, obrigando-a a pagar lucros sem ter disponibilidades financeiras, é colocá-la em risco, podendo gerar desemprego e até mesmo a sua falência. O Estado precisa proteger as pessoas jurídicas, pois só assim estará protegendo os trabalhadores na manutenção de seus empregos e rendas. E o Congresso Nacional precisa discutir mais os assuntos contábeis, para não aprovarem propostas que inviabilizem o funcionamento das pessoas jurídicas. Daí a importância de haver no Congresso Nacional parlamentares com conhecimentos contábeis.

28 de setembro de 2010

Contabilidade e Política: caminho de mão única

É injustificável não se divulgar mensalmente quem pagou, quanto pagou e onde os recursos dos tributos foram aplicados.

É injustificável ver os escritórios contábeis prestando serviços de interesse exclusivo do governo (registro, apuração e elaboração das guias de recolhimento de tributos), e saber que quem paga por isso são as empresas, sem que elas recebam qualquer benefício por esse pagamento.

É inadmissível ter que pedir para a própria empresa as suas demonstrações contábeis, sendo que essas demonstrações integram as pessoas jurídicas na sociedade e viabilizam a realização de negócios.

É inadmissível ver os tribunais de contas e a Controladoria Geral da União serem operados por profissionais não contadores.

É inadmissível ver as perícias contábeis e as apurações de haveres (função essa desenvolvida por fiscais de tributos) serem exercitadas por não contadores.

Este país requer transparência, requer proteção dos recursos públicos, requer que se dificulte a corrupção, as falcatruas e a malversação dos recursos públicos. Este país precisa de controles.

Dessa forma, a Política e a Contabilidade estão interligadas, são um caminho de mão única. E, quando se diz que a Contabilidade e a Política são um caminho de mão única, está se dizendo que uma depende da outra.

Proteger a Contabilidade é proteger os recursos do povo, de quem trabalha, de quem contribui honestamente, de quem paga para construir um país melhor.

O Contador completou, no dia 22 de setembro, 65 anos de existência. Parabéns, Contador! O Brasil precisa de você!

15 de setembro de 2010

A Demonstração dos fluxos de caixa e as demais demonstrações contábeis

Escrevi, em artigo publicado  recentemente na imprensa, sobre os riscos da divulgação da Demonstração dos fluxos de caixa. Em função disso, solicitaram- me uma resposta para o  seguinte questionamento:

“Bem, seguindo seu raciocínio, então também não deveriam ser publicadas as demais peças das demonstrações contábeis (balanço  patrimonial, demonstrações do resultado e das mutações do patrimônio líquido e as notas explicativas). Que fiquem, portanto, apenas para “uso interno” das empresas e demais entidades, pois a sua publicação igualmente as “desvalorizaria”.

Respondendo a questão: É importante saber qual é o campo de estudo do contador, e o que ele executa tendo por base esse campo de estudo. O médico utiliza o corpo humano para executar o seu trabalho. Analogamente, o contador utiliza o corpo das pessoas jurídicas para executar o seu. O “corpo” das pessoas jurídicas é constituído pelos “atos e  fatos” praticados pelo seu gestor e pela ação da natureza, que provoca alteração nos elementos que formam esse corpo.

Assim, conclui-se que o Balanço Patrimonial e a Demonstração do Resultado Econômico formam o “corpo” da pessoa jurídica — campo de estudo do contador. Sonegar a ele o Balanço Patrimonial e a Demonstração Econômica é sonegar elementos básicos para a execução de suas funções. É por isso que o Código Civil determina a obrigatoriedade das pessoas jurídicas terem contabilidade e a levantar anualmente o Balanço Patrimonial e o de Resultado Econômico (art. 1.179). Dessa forma, todas as demais peças contábeis e análises efetuadas pelo contador têm por base as informações contidas nesses dois demonstrativos.

É importante registrar que a divulgação do Balanço Patrimonial e a de Resultado Econômico não se destina a fornecer elementos para que leigos os interpretem, e, sim, para que os contadores, com base nessas informações, protejam  a sociedade contra o desemprego, cumprindo, assim, com seu objetivo profissional. Por isso, as peças necessárias e obrigatórias para divulgação deveriam ser somente o Balanço Patrimonial e o de Resultado Econômico, peças essas que formam o corpo da pessoa jurídica, já que todas as demais demonstrações e análises são elaboradas a partir daquelas.

Quanto às demonstrações questionadas anteriormente, por serem peças técnicas elaboradas tendo por base o Balanço Patrimonial, não seria necessária a sua divulgação, do ponto de vista técnico. Já quanto às notas explicativas (por darem suporte ao trabalho do contador, evidenciando os critérios usados na avaliação de algumas contas da Demonstração Patrimonial por força da legislação), são esclarecimentos indispensáveis, devendo, portanto, acompanhar o Balanço Patrimonial.

13 de setembro de 2010

Fluxos de caixa. Para quê divulgar?

Nos termos da Lei 11.638, de 2007, arts. 1º e 3º, que alterou a Lei 6.404/76, estão obrigadas à elaboração da Demonstração dos fluxos de caixa as sociedades anônimas de capital aberto, as sociedades anônimas de capital fechado com Patrimônio Líquido, na data do Balanço, superior a R$ 2 milhões de reais, e as demais sociedades, quando no exercício social anterior possuírem um ativo total superior a R$ 240 milhões de reais ou uma receita bruta anual superior a R$ 300 milhões de reais. Para as demais pessoas jurídicas, essa  Demonstração não é obrigatória.

Mas o que vem chamando a atenção dos contadores é por que motivo a Lei determina que essas pessoas jurídicas divulguem a sua Demonstração dos fluxos de caixa.
Será que os investidores, acionistas e concedentes de créditos decidem o que vão fazer utilizando-se desta demonstração que foi elaborada pela própria empresa? Será que eles não possuem contador para além de elaborar a Demonstração dos fluxos  de caixa, examinar, também, o Balanço Patrimonial e o de Resultado Econômico, e sugerir as ações a serem tomadas?
A Demonstração dos fluxos de caixa é um documento técnico extraído do Balanço Patrimonial e da Demonstração de Resultado Econômico que permite analisar os fluxos financeiros gerados pela pessoa jurídica. É uma peça indispensável à boa administração e gerenciamento da empresa, de uso interno da mesma para a tomada de decisões operacionais de gestão, além de ser um trabalho privativo do campo da Contabilidade.
Oferecê-la para quem não a solicitou e para quem não sabe interpretar tais dados poderá, com isso, induzir à má interpretação, além de vulgarizar um trabalho de importância, acabando por desvalorizá-lo. Como é o profissional contábil que faz a sua interpretação, seria mais aconselhável para o investidor contratar um contador para elaborar essa Demonstração, ao invés de recebê-la pronta, evitando, assim, erros de conclusão.
As informações contábeis estabelecidas pelo Código Civil Brasileiro são suficientes para a correta interpretação dos elementos que compõem a estrutura financeira, patrimonial e econômica das pessoas jurídicas.

A imposição da divulgação dos fluxos de caixa trazida pela Lei 11.638/2007 não traz efetividade alguma para a sociedade em termos de transparência. Na prática, somente promove exposição desnecessária de dados, o que dá margem a interpretações distorcidas.

12 de setembro de 2010

Como se escritura um contrato de Leasing

Leasing é um contrato de locação com opção de compra do bem locado. Esse bem não é da arrendatária, e, sim, da arrendadora. A arrendatária possui somente a "posse" do bem. Ela não pode dispor dele para negociação. Portanto, esse bem não possui liquidez para a arrendatária, e, não possuindo liquidez, não pode ser ativado. Isso porque, conforme determina o 1º do art. 178 da Lei 6.404/76, para que uma conta faça parte do Ativo, é necessário que ela possua liquidez, e, para que ela possua liquidez, é necessário que o bem possa ser vendido, transferido para outra pessoa. Por outro lado, a origem desse "débito" também não se constitui em um Passivo, porque as parcelas vincendas não são para o arrendador um direito líquido e certo.

Esse é o entendimento do STJ (REsp 236699/SP): "Segundo jurisprudência consolidada neste STJ, ocorrendo a resolução do contrato de Leasing por inadimplemento do arrendatário e sendo retomado o bem, não se permite que o arrendador exija o pagamento das prestações vincendas". Por isso, o contrato de Leasing não integra o Balanço Patrimonial. Neste caso, o que o contador deve fazer é informá-lo em notas explicativas, por força dos incisos II e III do 5º do art. 176 da Lei 6.404/76 (incluído pela Lei 11.941/2009). Assim, a escrituração contábil do contrato de Leasing deve obedecer a Lei 6.099/74, que está em pleno vigor, sendo ela que determina como os contratos de Leasing são escriturados.

É importante registrar que o Conselho Federal de Contabilidade aprovou em 2008 a Resolução nº 1.141, determinando a ativação dos contratos de Leasing. Porém, segundo o nosso entendimento, esse procedimento é ilegal. A Lei 12.249, de 11/06/2010, que conferiu atribuições ao CFC para regular acerca dos princípios contábeis e editar as Normas Brasileiras de Contabilidade de natureza técnica e profissional, não outorgou poderes para o mesmo reformular ou alterar leis aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo Presidente da República.