14 de junho de 2012

Confusão Patrimonial

Fomos consultados sobre o significado da expressão “confusão patrimonial”, comumente usada quando os negócios pessoais dos sócios se confundem com os da pessoa jurídica, situações em que ocorre abuso da personalidade jurídica, desvio de sua finalidade, ou seja, casos em que a pessoa jurídica serve de instrumento para acobertar atos ilícitos.

Não há em nosso ordenamento jurídico uma definição clara, expressa, a respeito do conceito de “confusão patrimonial”. O juiz, ao examinar cada caso, e, conforme as provas anexadas aos autos do processo, é quem irá decidir se houve “confusão patrimonial” ou não.

De acordo com o próprio termo, “confusão” é o ato ou efeito de confundir, de aparentar ser, em que há falta de uma ordem interna e de distinção entre coisas diferentes; ou seja, uma desordem, uma bagunça.

Em termos patrimoniais, isto é, em termos de bens, direitos e obrigações, o Conselho Federal de Contabilidade, ao aprovar o Princípio da Entidade ou da Pessoa Jurídica, disse que o patrimônio da pessoa jurídica não pode jamais ser confundido com o patrimônio de seus sócios ou proprietários.

Assim, de acordo com esse conceito, a fim de caracterizar “confusão patrimonial”, vamos examinar os seguintes casos:

Os sócios, por exemplo, compram, em nome da pessoa jurídica, veículos para uso particular seu e de seus familiares; e o gasto de manutenção desses veículos é contabilizado como despesa dessa pessoa jurídica. Isso caracteriza uma “confusão patrimonial”, pois, além de os gestores se utilizarem da pessoa jurídica para obter benefícios particulares, confundem o seu patrimônio com o dela, ferindo a primazia da essência sobre a forma.

Agora, quando estamos diante de grupos de empresas, ou de empresas coligadas ou controladas, e, por conveniência da gestão, uma empresa empresta dinheiro à outra, a fim de que essa não tenha que buscá-lo junto a alguma instituição financeira, diminuindo, dessa forma, o custo desse evento; ou, ainda, quando uma certa classe de bens e direitos são controlados em nome de um responsável, como ocorre com a conta Caixa ou Banco Conta Movimento, e todos os eventos daí decorrentes são devidamente registrados em suas contabilidades, com informações precisas, conferindo-lhes transparência, não estamos diante de “confusão patrimonial”, e, sim, diante de um dispositivo administrativo de gestão (planejamento financeiro), usado para que essas empresas sejam beneficiadas.

Não há aqui “confusão patrimonial”, pois todos os fatos estão devidamente registrados na contabilidade, mantendo-se a integridade dos elementos patrimoniais; e os sócios não se serviram desse evento para a prática de atos ilícitos, nem receberam benefícios particulares em detrimento da pessoa jurídica.

Custos, perdas, despesas e investimentos

Temos recebido diversas solicitações de nossos consulentes para responder a alguns questionamentos surgidos após a aplicação do Exame de Suficiência em 25 de março pp. Tais dúvidas, em sua maioria, se originam na questão de nº 23 do referido Exame aplicado pelo Conselho Federal de Contabilidade, na qual, após ser apresentada uma relação de contas, é solicitado aos técnicos em Contabilidade que informem o total dos investimentos, dos custos, das despesas e das perdas.

Em razão dessa questão, fomos instados a responder se o “seguro da fábrica” é um custo de produção; qual a diferença entre “perdas” e “despesas”; e se “compra de matérias-primas” é “investimentos”. Isso porque se considerou, na resposta da questão aplicada pelo CFC, o “seguro da fábrica” como sendo um “custo”; que “perdas” não estão contidas no grupo de “despesas”, e que “compra de matérias-primas” é “investimentos”.

Vamos responder essas questões, por partes.

Primeiramente, quanto ao questionamento sobre o “seguro de fábrica” ser um “custo de produção”, vejamos o que diz a teoria contábil a respeito:

Segundo a teoria contábil, “custo de produção” são os gastos necessários para se produzir um bem. Então, para sabermos se um gasto é considerado “custo” ou “despesa”, basta que façamos o seguinte questionamento: “Precisamos desse gasto para produzir o bem?” Se a nossa resposta for afirmativa, estaremos diante de um “custo”. Caso contrário, diante de uma “despesa”.

Vejamos as seguintes questões: “Precisamos da mão de obra da fábrica para produzir o bem?” “Em caso de não possuirmos um local próprio para a produção, precisamos pagar o aluguel de um local para construirmos o bem?” Como nessas duas situações precisamos realizar esses gastos para produzir o bem, estamos diante de “custos”.

Agora, outra questão: “Precisamos de propaganda para produzir o bem?” Nesse caso, a resposta é “não”. Então, estamos diante de uma “despesa”.

Voltando à questão de nº 23 do referido Exame: “Precisamos do seguro da fábrica para produzir o bem?” Vejamos: Possuímos duas indústrias, ambas exatamente iguais. Uma fez o seguro de sua fábrica; a outra, não. O que se modificou com isso no processo de industrialização das duas fábricas? Quem não fez o seguro deixou de produzir, ou produziu com menos qualidade? É evidente que não. Portanto, o seguro da fábrica não é um “custo de produção”, e, sim, uma “despesa”.

Para não deixar qualquer dúvida sobre esse assunto, o legislador, através do art. 13, § 1º, do Decreto-Lei nº 1.598 de 1977 e do art. 290 do RIR, normatizou quais os gastos que são considerados “custo de produção”, e o seguro da fábrica não está nessa relação.

Quanto aos questionamentos sobre a diferença entre “perdas” e “despesas” e sobre compra de matérias-primas ser “investimentos”, temos a tecer as seguintes considerações:

As “despesas” formam um conjunto de contas que fazem parte da Demonstração Econômica. Esse grupo é formado por contas que não possuem liquidez, ou seja, contas que não são objeto de troca; contas que não há interesse de terceiros em possuí-las; que não podem ser transformadas em dinheiro, trocadas, revendidas; que não geram fluxo de caixa futuro.

As “perdas” são geradas quando um ativo é subtraído, roubado, perdido, ou, ainda, quando deixa de possuir liquidez e passa a não ter valor no mercado. Assim, todas as “perdas” estão contidas nas “despesas”, sem formar grupos independentes. Estas (“perdas”) estão contidas naquelas (“despesas”).

Já o termo “investimentos”, para a Contabilidade, possui um conceito próprio, diferente do conceito que possui em Economia ou em Finanças. Enquanto em Economia ou Finanças, “investir” é aplicar recursos em “coisas” que possuem liquidez (ativo), em Contabilidade, “investimentos” são aplicações de recursos em “coisas” com a finalidade de especular, de obter resultado, lucro, no futuro.

Por isso, adquirir matérias-primas, para a Contabilidade, é aplicar recursos em “direitos realizáveis”, e não em “investimentos”; e “direitos realizáveis” e “investimentos” fazem parte do grupo de ativos.

A boa técnica nos diz que os questionamentos inseridos na pergunta de nº 23 do Exame de Suficiência não teriam resposta compatível.