26 de janeiro de 2011

O Ministério Público Federal precisa intervir nas resoluções do Conselho Federal de Contabilidade

A Contabilidade, em âmbito mundial, divide-se em dois blocos com diferentes princípios e interesses: Um bloco — representado pela Alemanha, França, Itália, Espanha, Japão, Europa Oriental e todos os países da América Latina — defende que a Contabilidade deve proteger os credores, os concedentes de créditos e a sociedade; e que, por isso, a lei deve detalhar com rigidez as regras a serem cumpridas pelos profissionais da Contabilidade na elaboração das demonstrações contábeis. Outro bloco — representado pelos EUA, pelos países do Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia — defende que a Contabilidade deve proteger os investidores, e que essas regras devem ser flexíveis, sem forte intervenção do Estado, para incentivar o ingresso de capitais.

O Brasil, atualmente, adota uma legislação rígida na elaboração das demonstrações contábeis. É por isso que, aqui, o Código Civil e a legislação tributária e societária regulam essa matéria. Tudo isso para que os profissionais da Contabilidade tenham segurança na elaboração das demonstrações contábeis, e que os contadores saibam como essas demonstrações foram elaboradas, a fim de  terem mais consistência em suas análises, conclusões e recomendações. E, também, para proteger a sociedade contra os desvios e falcatruas, protegendo, assim, o emprego e a renda, pois é a Contabilidade que viabiliza a apuração de “lucros” ou “prejuízos”, e é através do lucro ou prejuízo que os investidores ficam mais ricos ou mais pobres.

Entretanto, os membros do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) vêm, há muitos anos, defendendo a idéia de que a Contabilidade brasileira deve proteger os “investidores” e não mais a sociedade, filiando-se assim ao grupo ao qual os EUA e a Inglaterra estão vinculados. O CFC argumenta que a mudança de foco da Contabilidade no Brasil é possível, pois a Lei 12.249, de 11/06/2010, conversão da Medida Provisória nº 472, lhe deu competência para editar normas brasileiras de Contabilidade de natureza técnica e profissional, e, em função disso, as “resoluções” — mesmo contrariando a lei — possuem valor legal, e devem ser cumpridas pelos profissionais. Antes, dizia-se que as leis que conferiram liberdade para alterar os objetivos da Contabilidade no Brasil eram as leis 11.638/07 e 11.941/09.

O CFC apelidou a idéia de mudança de foco da Contabilidade de “Contabilidade Internacional”. Porém, é importante registrar que o Brasil não firmou qualquer tratado internacional que resultasse de uma convergência das vontades dos países em uniformizar procedimentos de registros e informações das demonstrações contábeis.

As resoluções aprovadas pelo Conselho Federal de Contabilidade estão deixando os profissionais de Contabilidade confusos por não saberem mais se seguem a lei ou as resoluções. Vejamos: a Lei nº 11.638, de 2007, arts. 1º e 3º, que alterou a Lei 6.404/76, determinou a obrigatoriedade da divulgação da Demonstração dos Fluxos de Caixa para as sociedades anônimas de capital aberto; para as sociedades anônimas de capital fechado com patrimônio líquido, na data do balanço, superior a R$ 2 milhões de reais; e, para todas as pessoas jurídicas, quando no exercício social anterior possuírem um ativo total superior a R$ 240 milhões de reais ou uma receita bruta anual superior a R$ 300 milhões de reais.

O Conselho Federal de Contabilidade, através da Resolução CFC nº 1.255, de 10.12.2009, está obrigando todas as pessoas jurídicas, mesmo as pequenas e médias empresas, a divulgarem essa demonstração.

Além disso, a Lei 6.404/76, art. 179, inciso I, diz que o Ativo Circulante deve ser classificado em Disponibilidades, Direitos Realizáveis no curso do exercício social subsequente e as aplicações de recursos em Despesas do Exercício Seguinte. Por sua vez, a Resolução CFC nº 686, diz que o Ativo Circulante deve ser dividido em Disponível, Créditos, Estoques, Despesas Antecipadas e outros valores e bens, e não conforme determina a Lei.

Já o § 2º do art. 178 da Lei 6.404/76 diz que o Patrimônio Líquido faz parte do Passivo. O CFC, através da Resolução nº 774/94, ratificada pela Resolução nº 1.049/05, diz que “não”, que o Passivo consiste somente nas obrigações que a pessoa jurídica possui para com terceiros; que as obrigações que a pessoa jurídica possui para com seus donos, referente ao capital de risco, não são obrigações, e que por isso não são Passivo.

A Lei diz que para um “débito” ser classificado como “Ativo”, este precisa ter “liquidez” (art. 178, § 1º da Lei 6.404/76). Já a Resolução 1.049/05 diz que  “Ativo” compreende qualquer aplicação de  recursos controlados pela pessoa jurídica, capaz de gerar benefícios econômicos futuros. Pela definição adotada pelo CFC, a pessoa jurídica não precisaria ter a propriedade do bem para ativá-lo, o que é inaceitável, uma vez que algo para ser Ativo tem que ter liquidez.

A Resolução 1.141/08 diz que o Leasing Financeiro deve ser contabilizado no Ativo, mesmo que a empresa ainda não tenha adquirido o bem arrendado. Por sua vez, a Lei 6.099/74 estabelece que as contraprestações do Contrato de Leasing devem ser contabilizadas como “custo” ou “despesa”, e que a incorporação no Ativo só ocorrerá no momento em que o arrendatário optar pela compra do bem, pagando o valor residual contratado.

Segundo o § 1º do art. 57 da Lei nº 4.506/64, o valor da depreciação computada como “custo” ou “despesa” deve ser calculado tendo por base o custo de aquisição do bem depreciável. O Conselho Federal de Contabilidade alega que os contadores podem depreciar leasing financeiro, mesmo que o bem ainda não tenha sido adquirido.

Portanto, são muitas as resoluções em que o CFC altera a lei, pedindo que os contadores a descumpram. O que é mais grave ainda é que a própria Resolução do CFC estabelece que aquele que descumprir a Resolução estará infringindo o Código de Ética Contábil.

Sendo assim, a intervenção do Ministério Público Federal nesta questão se faz necessária para que o judiciário decida se o CFC possui competência para modificar as leis e editar resoluções criando obrigações profissionais.

Solicitar a intervenção do Ministério Público Federal nesta causa não é mera necessidade de garantia profissional, mas é, sobretudo, uma questão de ordem jurídica. As informações contábeis precisam estar protegidas por leis, pois é através delas que os capitais circulam, que os negócios se realizam, que os investidores ficam mais ricos ou mais pobres, pelo simples fato de a Contabilidade ter a capacidade de modificar os resultados econômicos. É, também, ela que protege  as pessoas jurídicas como fonte geradora de emprego e renda. Por isso, a Contabilidade não pode ser usada como instrumento de especulação, mas, sim, como um instrumento de interesse da sociedade.

Depreciação do Imobilizado

A Lei nº 4.506, de 30/11/64, art. 57, determina que poderá ser computada como “custo” ou “encargo”, em cada exercício, a importância correspondente à diminuição do valor dos bens do Ativo resultante do desgaste pelo uso, ação de natureza e obsolescência normal. Diz a Lei, ainda, que a quota de depreciação registrável em cada exercício será estimada pela aplicação da taxa anual de depreciação sobre o custo de aquisição do bem depreciável (§ 1º), e que a Receita Federal publicará periodicamente o prazo de vida útil admissível, em condições normais ou médias, para cada espécie de bem, ficando assegurado ao contribuinte o direito de computar a quota efetivamente adequada às condições de depreciação dos seus bens, desde que faça a prova dessa adequação, quando adotar taxa diferente (§ 3º). Já o Parecer Normativo do CST nº 79/76 diz que se a empresa adotar qualquer taxa de depreciação inferior à permitida, as importâncias não apropriadas não poderão ser recuperadas posteriormente através da utilização de taxas superiores às máximas anualmente permitidas.

Ocorre que o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), ao aprovar o CPC nº 27, determina que os contadores devem escriturar e apurar o valor da depreciação, não pela taxa autorizada pela Receita Federal, mas pelo método que reflita o modelo de previsão de consumo dos benefícios econômicos do Ativo, devendo ainda ser revisto pelo menos ao final de cada exercício. Entretanto, a depreciação, por ser um custo ou despesa, participa diretamente do Resultado Econômico da pessoa jurídica, alterando para mais ou para menos o valor do Imposto de Renda e da Contribuição Social, além do crédito utilizado para cálculo do PIS e COFINS, sendo, portanto,  um elemento importante na implantação de um planejamento tributário.

Isso faz com que os contadores se questionem se devem cumprir a Lei ou a Resolução do CFC, e se a Receita Federal aceitará ajustar no LALUR a depreciação não contabillizada.