12 de agosto de 2020

Proposta de regulamentação da responsabilidade contábil das pessoas jurídicas - seções ou departamentos de contabilidade

CUMPRIMENTO DO ARTIGO 15
DO DECRETO-LEI N° 9.295/46

Por Salézio Dagostim

OBJETO DO TRABALHO

O presente trabalho sugere o cumprimento do art. 15 do Decreto-Lei n° 9.295/46 por parte dos Conselhos Regionais de Contabilidade, para garantir a segurança da sociedade quanto ao recebimento das informações contábeis e, por consequência, a proteção do profissional no exercício de suas atividades profissionais.

JUSTIFICATIVA

Embora haja posicionamentos divergentes, depreendemos que os conselhos de fiscalização profissional não estão a serviço dos profissionais (em relação aos interesses individuais da condição profissional), mas, sim, a serviço da sociedade na fiscalização dos trabalhos colocados à sua disposição. Logo, os Conselhos de Contabilidade são pessoas de direito público, com funções próprias e típicas da administração federal indireta, criados pelo Decreto-Lei n° 9.295/46.

Cabe aos Conselhos de Contabilidade fiscalizar a profissão para evitar que leigos atuem na área contábil e fazer com que a lei de regência da profissão contábil seja cumprida, protegendo a sociedade e a própria profissão.

O Decreto-Lei n° 9.295/46, considerado ultrapassado por muitos colegas, é, na verdade, um diploma muito bem elaborado técnica e juridicamente, que merece elogios por sua preocupação com a defesa e a proteção da profissão e do campo profissional.

Acontece que o referido decreto, mesmo tendo mais de 70 anos de existência, até hoje não foi aplicado em toda a sua extensão. Por incrível que pareça, os itens que dariam proteção à sociedade, e, por consequência, aos próprios profissionais contábeis, ainda não foram postos em prática.

O Decreto-Lei 9.295/46 foi muito bem elaborado. Define para que serve o Conselho de Contabilidade, o que os profissionais podem executar, e, ainda, como os contadores e técnicos em contabilidade assumem a responsabilidade pelos trabalhos.

Sobre a responsabilidade profissional, para que os profissionais contábeis possam ser responsabilizados pelas informações contábeis, é necessário que o art. 15 do DL 9295/46 seja colocado em prática.

Determina o art. 15 do Decreto-Lei 9.295/46:

"Art. 15 - Os indivíduos, firmas, sociedades, associações, companhias e empresas em geral, e suas filiais que exerçam ou explorem, sob qualquer forma, serviços técnicos contábeis, ou a seu cargo tiverem alguma seção que a tal se destine, somente poderão executar os respectivos serviços depois de provarem, perante os Conselhos de Contabilidade, que os encarregados da parte técnica são exclusivamente profissionais habilitados na forma da lei.

Parágrafo único: As substituições dos profissionais obrigam a nova prova, por parte das entidades a que se refere este artigo."



Observa-se que o legislador determinou, no art. 15 do referido decreto, que todos os indivíduos, firmas, sociedades, associações, companhias e empresas em geral, e suas filiais que, sob qualquer forma, tiverem qualquer seção de serviços contábeis, somente poderão funcionar após provarem perante os Conselhos de Contabilidade que o encarregado por aquela seção é profissional habilitado. O parágrafo único do mesmo artigo, por sua vez, determina a obrigatoriedade de nova prova em caso de substituição.

Então, com base neste artigo, para que os contadores e técnicos em contabilidade assumam a responsabilidade pela contabilidade, ou o cargo de responsáveis pela contabilidade, não basta serem profissionais da área, mas é necessário ainda que sejam reconhecidos como tal. Como responsáveis pela contabilidade, eles podem executar todas as funções estabelecidas na lei. Só não podem ser responsáveis pela seção de contabilidade dos indivíduos, firmas, sociedades, associações, companhias e empresas em geral, e filiais, se não forem devidamente informados ao Conselho de Contabilidade.

Para reforçar o que estamos dizendo, o art. 28, item “b”, deste mesmo decreto diz que "são considerados exercendo ilegalmente a profissão e sujeitos à pena estabelecida na alínea 'a' do artigo anterior, os profissionais que, embora legalmente habilitados, não fizerem, ou com referência a eles não for feita, a comunicação exigida no art. 15 e seu parágrafo único".

Ou seja, se não for informado ao Conselho de Contabilidade quem é o responsável pela contabilidade do individuo, da firma, da sociedade, das associações, das companhias e das empresas em geral, e de suas filiais, ele não poderá assinar as informações contábeis destas, mesmo sendo um profissional contábil, pois se assim o fizer, será considerado como exercendo ilegalmente a profissão contábil.

Portanto, não é a habilitação, por si só, que dará ao profissional o direito de ele assinar como responsável pela contabilidade de uma pessoa jurídica, e sim a comunicação ao Conselho de Contabilidade de que ele será o responsável por ela.

É sabido que todos os que geram recursos de terceiros necessitam prestar contas, ter contabilidade, ao teor do Código Civil.

Neste sentido, para a execução dos trabalhos de contabilidade, o profissional pode fazê-lo nas dependências do próprio contratante dos serviços, ou mediante a terceirização deste serviço a um escritório de contabilidade. Assim, o departamento ou a seção contábil do contratante podem ser operacionalizados nas dependências dele, ou nas dependências de um escritório de contabilidade externo.

Uma pergunta se faz necessária aqui: Por que estes agentes (indivíduos, firmas, sociedades, associações, companhias e empresas em geral, e suas filiais) têm que comunicar ao Conselho de Contabilidade quem são os responsáveis pela sua contabilidade?

A resposta é relativamente simples: Porque a sociedade precisa ficar protegida quanto às informações contábeis, ou seja, ela possui o direito de saber que as informações contábeis foram elaboradas com soberania pelo profissional, sem a ingerência do empregador.

As informações contábeis são de interesse social e provenientes dos conhecimentos e técnicas obtidos nas academias. O profissional da contabilidade não pode ser considerado um simples empregado. Ele não pode ser demitido de um cargo de responsabilidade pelo simples fato de não fazer o que o empregador quer. Por isso, a legislação profissional, além dos demais diplomas normativos, alicerçam a forma de registros e a elaboração das demonstrações contábeis (vide Código Civil, Lei 6.404/76, DL 9.295/46, DL 1.598/77, entre outros).

Em tese, as leis derivam do saber científico e protegem a sociedade e o próprio profissional, conferindo-lhes estabilidade.

O profissional de contabilidade, ao divulgar as demonstrações contábeis, assina, juntamente com o contratante, a responsabilidade pelas informações. As informações contábeis são de interesse público e, como tal, os profissionais da área precisam estar protegidos.

Se o legislador não introduzisse normas de proteção para esses profissionais, eles não poderiam ser responsabilizados por desrespeito à ciência contábil, pois Ihes faltaria a devida proteção. Querer que os profissionais contábeis cumpram as normas técnicas e legais sem lhes dar a devida proteção é expô-los a situações de conflito permanente com o Conselho de Contabilidade e com o contratante pelos serviços.

O legislador pretendeu nada mais que proteger a sociedade pelas informações contábeis, pois é através destas que esta sociedade consegue avaliar o que representa o agente enquanto célula econômica e social que gera riquezas, promove a manutenção da renda e emprego, além de gerar tributos no seu meio social.

O Decreto-Lei 9.295/46 criou os Conselhos Federal e Regionais de Contabilidade, definiu as suas atribuições, estabeleceu as funções dos contadores e dos técnicos em contabilidade e determinou que, para serem os responsáveis pela contabilidade de qualquer agente econômico e social, é preciso provar ao Conselho esta função.

Uma das atribuições dos Conselhos, na qualidade de autarquias federais de fiscalização profissional, é a de manter para si o controle do exercício profissional, determinando que nenhum profissional pode assumir a responsabilidade técnica pela seção de contabilidade de um agente econômico ou social sem que primeiro se realize o devido cadastramento junto àqueles órgãos, como prova desta.

Este responsável não tem a necessidade de ser o executor, de ter expediente integral, mas terá a responsabilidade sobre o funcionamento da seção de contabilidade e pelas informações contábeis externadas a terceiros deste agente.

Agora, examinaremos objetivamente o que vem acontecendo com os profissionais da contabilidade, em função de não se ter posto em prática o art. 15 do DL 9295/46 até hoje. Os profissionais contábeis não possuem estabilidade ou segurança em seus cargos. São substituídos a qualquer momento, por qualquer motivo e sem qualquer controle. Esta insegurança no trabalho também os leva ao aviltamento dos próprios honorários, a trabalharem por salários abaixo do mercado, em total desrespeito à sua dignidade profissional.

Esses profissionais, por falta de segurança no exercício de suas atividades, podem vir a ser manipulados ou desrespeitados. "Faça o que lhe digo ou serei obrigado a contratar outro profissional” é a frase que se escuta com frequência. Por outro lado, são raros os profissionais que entram em contato com o profissional anterior para saber o que ocorreu, por que foi substituído.

O presente trabalho não visa ao protecionismo da profissão, visa proteger a sociedade. Procura fortalecer a atuação do profissional contábil, no sentido de se criar um mecanismo, já estabelecido em lei, para que este se expanda profissionalmente, com a devida segurança e estabilidade.

A profissão contábil é de vital importância para a economia do Brasil, pois trata diretamente com a produção, comercialização e circulação das riquezas que atuam nas mais diversas áreas industriais, comerciais e de prestação de serviços.

Ante o desconhecimento das condições de trabalho, o profissional contábil que recém ingressa na carreira se vê ainda obrigado a cumprir a determinação do comando da empresa, principalmente em decorrência da recessão econômica que atravessamos, das altas taxas de desemprego no País, e tudo isso aliado à concorrência desleal.

Há inúmeras razões para se recomendar o cumprimento do artigo 15 do Decreto-Lei 9.295/46. Quantas vezes você já não deve ter recebido proposta para assinar um balanço já pronto ou para elaborar um balanço que outro profissional assinaria? Ou quantas vezes você já foi compelido a aviltar os seus honorários, e trabalhos, em vista da concorrência absolutamente desleal? Isso sem falar nos casos em que você está sendo substituído sem saber. Só vai saber depois de alguns meses da contratação do outro profissional...

Quais as vantagens do cumprimento do art. 15 do Decreto-Lei 9.295/46?

1 - Os balanços, os balancetes, enfim, quaisquer informações contábeis seriam assinados apenas por profissionais devidamente cadastrados nos Conselhos Regionais de Contabilidade, para os agentes previamente identificados. Esta exigência faz com que estes agentes (indivíduos, firmas, sociedades, associações, companhias e empresas em geral, e filiais) tenham que contratar imediatamente os responsáveis por suas contabilidades sob pena de não poderem divulgar as suas informações;

2 - Haveria um controle maior na divulgação das informações contábeis, pois não seria o registro do profissional no Conselho de Contabilidade que o legitimaria a assinar as informações contábeis, mas o devido credenciamento (cadastramento) para este fim e para aquela empresa;

3 - Os Conselhos de Contabilidade teriam mais facilidade de fiscalizar os trabalhos contábeis, pois saberiam quem são os profissionais responsáveis pela contabilidade dos agentes (indivíduos, firmas, sociedades, associações, companhias e empresas em geral, e filiais) para solicitar os devidos esclarecimentos;

4 - Os profissionais teriam mais proteção no exercício de suas atividades, pois haveria a necessidade de se alterar o cadastro técnico relacionado à pessoa jurídica com antecedência, solicitando um novo credenciamento, que só seria liberado pelos Conselhos de Contabilidade se atendidos os requisitos estritamente legais;

5 - A autarquia federal contábil saberia quais são os responsáveis técnicos pelas escriturações e trabalhos contábeis de cada agente econômico e social, e de quais períodos específicos. Se houvesse necessidade de rastreamento dos históricos de responsabilidade técnica da pessoa jurídica, o CRC teria condições de aferir;

6 - Como consequência disto tudo, acreditamos que haveria maior respeito à dignidade profissional, com a redução de aviltamentos de honorários e de concorrências desleais, que denigrem a atividade profissional, prejudicando toda a classe e a própria profissão.

CONCLUSÃO

O cadastro prévio para que os profissionais da contabilidade possam exercer as suas atividades como responsáveis por um departamento ou seção de contabilidade de uma pessoa jurídica é uma exigência legal da competência dos Conselhos de Contabilidade, os quais devem exigir o seu cumprimento.

A sociedade, interessada nas informações contábeis, estaria mais segura no seu uso, pois teriam mais credibilidade.

Em caso análogo, o Conselho de Engenharia detém o histórico dos responsáveis técnicos das obras e edificações, através do Atestado de Responsabilidade Técnica – ART. Tais obras não podem ser executadas sem a devida anotação técnica. O mesmo acontece com os advogados, que só podem atuar em um processo se receberem o substabelecimento da procuração do advogado atual.

Para tanto, apresentamos uma sugestão de Resolução a fim de que se exija dos profissionais o seu cumprimento e para que possamos discutir concretamente o assunto visando à sua aplicação.


RESOLUÇÃO CFC N°...

Institui o Cadastro de Responsabilidade Técnica pelo departamento ou seção de contabilidade.

O Conselho Federal de Contabilidade, no exercício de suas atividades legais e regimentais,

CONSIDERANDO a exigência imposta pelo art. 15 do Decreto-Lei 9.295/46, que determina que todas as empresas, indivíduos, firmas, sociedades, associações e companhias, e suas filiais que exerçam ou explorem, sob qualquer forma, serviços técnicos contábeis ou a seu cargo tiverem alguma seção que a tal se destine, somente podem executar os respectivos serviços depois de provarem, perante os Conselhos de Contabilidade, que os encarregados da parte técnica são exclusivamente profissionais habilitados na forma da lei;

CONSIDERANDO que o parágrafo único do art. 15 do DL 9.295/46 determina que as substituições dos profissionais obrigam a nova prova;

CONSIDERANDO que o art. 28 do DL 9.295/46, item “b”, diz que os profissionais, embora legalmente habilitados, que não fizerem ou com referência a eles não for feita a comunicação exigida no art. 15 deste DL serão considerados como exercendo ilegalmente a profissão;

RESOLVE:

Art. 1° - A responsabilidade técnica pelo departamento ou seção contábil de determinada pessoa jurídica, de condomínio predial, de partido ou candidato político, ou de qualquer pessoa ou agente que necessita prestar contas de seus atos a terceiros, é obtida através da autorização nos Conselhos Regionais de Contabilidade.

Art. 2° - O responsável técnico, devidamente autorizado, conforme art. 1°, está legitimado a assinar os balanços, balancetes e todas as demonstrações e informações contábeis das pessoas acima relacionadas.

Art. 3° - Os profissionais que assinarem quaisquer demonstrações ou documentos contábeis destas pessoas, conforme art. 1º, não estando autorizados para este fim, serão considerados como exercendo ilegalmente a profissão, estando sujeitos às sanções disciplinares, penais e legais nos termos da lei.

Art. 4º - A autorização poderá ser requerida em nome do escritório contábil, registrado como sociedade de profissionais, e a responsabilidade será exercida pelos responsáveis técnicos deste escritório, os quais serão legitimados a assinarem os  documentos contábeis de seus contratantes.

Art. 5° - Os Conselhos Regionais emitirão os certificados de responsabilidade técnica, na forma estabelecida pelo CFC.

Art. 6° - A presente exigência entra em vigor a partir da data de sua publicação, revogando as disposições em contrário.


Autor da proposta: Contador Professor Salézio Dagostim, CRCRS 23.113, e-mail salezio@dagostim.com.br

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